Panis et circenses (I)

Da antiga Roma, com suas arenas em que gladiadores encaravam leões famintos ou se enfrentavam até a morte, vem um antigo ensinamento político de como se governa um povo: panis et circenses, pão e circo. No país deitado eternamente em berço esplêndido, o ensinamento funciona há 500 anos, com uma pequena diferença: no Carnaval come-se muito pão, ou melhor, carne, branca, ruiva, preta, morena, pois ela é fraca e o sexo é livre… no resto do ano, vive-se no circo! E a atual temporada circense está suplantando, com louvor, todas as que eu vivi em mais de 50 anos de vida politicamente ativa.

Começou há quatro anos, quando Dilma Roussef, primeira mulher a presidir o país, foi reeleita para um novo mandato. Mesmo com uma diferença de 3,5 milhões de votos, seu concorrente, o menino do Rio dublê de senador por Minas, contestou o resultado. Numa fita gravada por um empresário, recentemente, quando negociava uma “transferência de recursos” (em mala, claro!), confessou, candidamente, que a contestação foi “só para encher o saco do PT”. Uma palhaçada que está rendendo gargalhadas dos camarotes até hoje…

Paralelamente, um juiz de chão – da 1ª instância de Curitiba – dá início a um processo a partir de um posto de gasolina de Brasília que envolvia um doleiro, Alberto Youssef, preso pelo mesmo juiz em outra operação (Banestado) e solto por fazer acordo, que não levou a nada.  Percebendo o potencial midiático ou sendo municiado por “forças ocultas d’além mar”, o juiz de chão retém as investigações para sua vara, ao arrepio da lei, ganhando imediato apoio da grande imprensa, Jornal Nacional à frente, que criou a tcham… tcham… tcham… tcham… Operação Lava Jato, uma operação infinita, que lavará (lentamente) a corrupção deste Brasil varonil… il… il… il!

Para alcançar seu intento, já que “a corrupção é a maior ameaça à humanidade”, como disse o superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina, antes que o reitor da Universidade se suicidasse, depois da humilhação que passou ao ser preso (depois, ele continua calado), a Lava Jato ultrapassou todas as barreiras da legalidade jurídica – operações espetaculosas antecipadamente comunicadas à Globo (tinha até um Japonês da Federal, condenado pela Justiça, que conduzia os corruptos), conduções coercitivas de políticos, delações premiadas ridículas (eu acuso quem você quiser e você me solta com tornozeleira eletrônica, tá bom?) – e as instituições brasileiras se acovardaram, provavelmente porque cada um de seus membros têm contas a pagar que não podem ser tornadas públicas…

Dos camarotes, porém, nova e estrondosa salva de palmas…

Enfim, uma presidenta honesta, mas de uma estupidez política incomensurável, foi deposta, ao arrepio da Constituição, e a auto proclamada heroína da democracia brasileira – a classe média que bateu panelas e vestiu verde amarelo em passeatas pelas capitais – entronizou no poder o lídimo representante da classe política nacional, exatamente aquela que acha que fazer política é fazer negócios, é defender o interesse próprio, é mandar o povo à p…* que pariu! Desde então, para inaudita alegria dos camarotes, a arquibancada aposentou panelas e camisas amarelas e pensa, seriamente, se vai vestir a roupa de palhaço e pular para o picadeiro…

O marido de Marcela, a bela, eleito vice-presidente de Dilma Roussef, está no Palácio do Planalto há quase dois anos. Não governa… passa 90% do tempo tentando se livrar das acusações que os ‘santos’  procuradores da República, delatores, gravadores  e  carregadores de malas levantam contra ele (os outros 10% são gastos maquinando medidas para f….* o povão – pobre Marcela…!). Todo fim de semana pega o avião presidencial e viaja para São Paulo para conversar com seus advogados… e a grande imprensa noticia e acha a coisa mais normal… dinheiro público sendo gasto para defender particularmente um acusado de corrupções mil!

Na geral, a plateia resmunga, torce o nariz, bota o dedão virado para baixo, como viu os romanos fazerem em filmes de Hollywood, mas não levanta a bunda da cadeira…

Jornal Nacional, Globo News, Jornal da Band, do SBT, Record News, o escambau a quatro, se tornaram um disco de vinil rachado: de um lado só toca as peripécias da Lava Jato para enquadrar o ex-presidente Lula num crime ridículo qualquer, de outro só toca as manipulações da quadrilha de Temer para “comprar” sua base política, inocentando-a de crimes confessados publicamente, mas não incentiva panelaços ou apitaços… já imaginaram o perigo se a geral gostar e extrapolar o Fora Temer?

Comentaristas políticos sem a menor isenção jornalística se revezam em análises vazias e repetitivas, mas cheias de auto-elogios, tipo: “eu falei com assessores do presidente agorinha mesmo, e eles me garantiram que…”, “eu estava com o ministro tal, e ele disse que a decisão da Corte Suprema será definitiva…”, “o Moro me assegurou que sua sentença sairá semana que vem, com certeza absoluta…” Bastidor virou palavra chave nas transmissões televisivas: todo repórter vip tem um bastidor para revelar aos camarotes ansiosos por fofocas nebulosas… (continua)

 

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