Eu já disse por aqui que gosto e acompanho política desde que tomei ciência da vida e comecei a fuçar na substanciosa biblioteca de meu pai, fins da década de 50. Hoje, beirando os 70, e mesmo sendo um mero espectador ou, quando muito, tendo sido um simples figurante do cenário político, eu me sinto bastante capaz de analisar situações recentes comparativamente com as situações que o país
viveu ao longo destes 60 anos de vida politicamente consciente que tenho. E, infelizmente, digo com absoluta certeza: conhecer história é muito bom para reforçar nossa convicção política, mas do jeito que nossa história é contada, não adianta porcaria nenhuma para evitar a repetição de desastres e desgraças que afetam o país. E é por isso que continuamos e – me permitam o pessimismo – continuaremos sendo um país deitado eternamente em berço esplêndido…!
Digo isto porque se nós, brasileiros, aprendêssemos alguma coisa com a história que vivemos e esta história fosse contada a nossos filhos e netos em toda a sua dimensão, com todas as nuances, perspectivas, possíveis razões e consequências, o Brasil não estaria, mais uma vez, encalacrado numa situação tão vergonhosa como se encontra hoje, da qual a única saída, substituir seis por meia-dúzia, e ver como é que fica, é proposta e vai sendo levada à frente pela elite política e econômica, já que a classe média, bovinamente, guardou panelas e camisas amarelas e o povão só tem tempo para manter ou procurar emprego.
Mas eu aprendi, porque vivi nossa história desde que minha curiosidade pela política foi despertada em 1954, quando Getúlio Vargas, que mandara como ditador por 15 anos (1930/45), fora derrubado e, voltando à Presidência por eleição direta, foi encurralado novamente pela elite econômica e se suicidou em pleno mandato.
Eu vivi nossa história no governo, também eleito, de Juscelino Kubitschek (1956/61), e vibrei com os 50 anos em 05, com a criação de Brasília, com a implantação da indústria automobilística, condenei as tentativas de golpe promovidas por militares descontentes – conhecidas como revoltas de Jacareacanga e Aragarças – e me enfureci com a estupidez do povo brasileiro que, em 1960, votou num palhaço chamado Jânio Quadros para substituir Juscelino.
Culpa, em grande parte, da imprensa da época, dominada pelos Diários Associados de Assis Chateaubiand, mas muito direcionada pela Tribuna de Imprensa de Carlos Lacerda, o Corvo, que descia o cacete em JK, acusando-o de corrupção desenfreada – Sebastião Paes de Almeida, o ‘Tião Medonho’ nas manchetes da Tribuna, um dos donos da maior indústria de fabricação de vidros no Brasil, Vidrobras, que foi ministro da Fazenda de JK, tornou-se o vilão do momento: os prédios da nova capital tinham vidros de cabo a rabo não porque, numa cidade solar como Brasília, isto economizaria energia elétrica, mas porque Tião Medonho era ‘amiguim’ de JK…
Eu vivi nossa história quando Jânio, o palhaço louco, que governou a duras penas por 07 meses (proibindo desfile de maiô e briga de galo), tentou dar um golpe (renunciou, esperando voltar nos braços do povo, mas a elite foi mais esperta),
não voltou e foi substituído por um parlamentarismo fajuto, logo derrubado por Jango, o vice de Jânio, que não durou muito também e foi derrubado pela mesma elite, que se apoiou nos militares e na classe média católica apostólica romana (os evangélicos ainda eram irrisórios!).
E eu vivi nossa história, numa sofrida ditadura que mandou no Brasil por 21 anos, uma geração inteira… Que foi derrubada, não pela população que saiu às ruas gritando “Diretas Já”, sem apoio da Globo, mas pelos
políticos que, por sobrevivência, fizeram um acordão e elegeram, indiretamente, Tancredo Neves presidente da República. Que morreu – de diverticulite mal diagnosticada… dá para acreditar? – e foi substituído pelo vice, José Sarney, um “coronel” maranhense que sempre apoiou a ditadura até ela começar a esfarelar-se…
E nesta democracia mambembe em que vivemos, chegamos ao hoje: um vice presidente sem votos (na última eleição que disputou, para deputado federal por São Paulo, foi o menos votado do PMDB, ganhando a vaga pela distribuição dos votos pelo partido) conspirou e ajudou a derrubar a presidenta eleita com 54 milhões de votos e, pouco mais de uma ano após assumir o cargo, deve ser defenestrado dele e substituído por outra nulidade, Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, posto aí para substituir um dos chefes da máfia, Eduardo Cunha, que encontra-se preso.
Quem tem menos de 40 anos hoje, mesmo que tenha formado uma consciência política na mesma idade que eu, só vivenciou política nos anos 80, estertores da ditadura e implementação da democracia brasileira que conhecemos hoje, uma democracia mambembe, como disse ali atrás.
Que lições a minha geração ensinou para seus filhos e netos?
Que lições esta geração com menos de 40 anos teve, vivendo nesta democracia à brasileira?
Que a política é uma m…*? Que os políticos são todos safados e picaretas? Que a corrupção é uma consequência do poder? Que não vale a pena votar porque os eleitos só defendem seus próprios interesses? A história poderia mostrar que não é bem assim… mas que história é ensinada em nossas escolas? E quem se interessaria em contar uma história que não fosse apenas uma relação de datas e fatos?
Na minha época, se fazia 04 anos de grupo escolar e 07 anos de ginasial e… cursinho (pago… era um ano só!) entre um e outro, para entrar no Colégio Estadual ou no Colégio Militar, públicos e sonho de consumo da classe média para seus filhos (havia colégios particulares, principalmente católicos, mas pagos…) E a classe média brasileira não gosta muito desta palavra, pagar…, o que ela faz hoje porque a escola pública, desde aquela época, foi literalmente degradada, exatamente para dar espaço à escola privada.
E o que eu aprendi em 04 anos de grupo escolar e 07 anos de ginasial? Que Pero Álvares Cabral descobriu o Brasil sem querer, em 22 de abril de 1500, que Portugal criou as Capitanias Hereditárias, que houve Governadores Gerais, Tomé de Souza,
Duarte Costa e Mem de Sá (houve mais de 20, além de mais de 10 vice-reis, mas a história
ensinada nas escolas se fixou nestes três). Que o Brasil teve dois reis, Pedro I e Pedro II, que foi destronado por um Marechal, derrubado por outro? Que teve uma República Velha, derrubada por um estancieiro gaúcho que implantou a ditadura do Estado Novo, que durou 15 anos? Que a democracia reinstalada em 1945 acabou elegendo o antigo ditador em 1950?
E o que meus bisnetos aprenderão daqui a 30/40 anos? Que houve um tempo em que o povo se insurgiu contra a mesmice de sempre e elegeu um operário para presidente? E que, por gostar de seu governo e para desespero da elite, elegeu uma mulher para substituí-lo? Que o partido dos dois roubava tanto, mas tanto, que destruiu as maiores empresas brasileiras em áreas como o petróleo, construção e de carne? Que quem descobriu esta roubalheira foi
uma força tarefa formada por jovens policiais e procuradores da República imbuídos de espírito cívico e uma vontade férrea de acabar com a corrupção no Brasil? Que o chefe desta força tarefa, de forma dalanhesca, montou um power-point fantástico em que todas as setas levavam ao ‘big boss’ da quadrilha, naturalmente o ex-presidente-operário? Que, exatamente por isto, o tal operário-presidente foi condenado por um juiz incorruptível vestido de preto, que se baseou no processo elaborado pela força-tarefa carregado de convicções suficientes para prescindir de provas? O que permitiu, inclusive, que o mesmo juiz sequestrasse os bens do condenado, uma incrível ‘fortuna’ formada por R$600 mil reais + 03 apartamentos + 02 carros? (um terceiro carro foi desprezado porque era uma pick up Ford F1000 1984!!!!, “por não ter valor representativo”.
Tenho certeza absoluta que meus bisnetos ficarão chocados! E com enormes pulgas atrás das orelhas… Afinal de contas, o bisavô deles, contemporâneo deste grande chefe da
corrupção no Brasil – que ainda não terá sido totalmente derrotada, apesar do esforço permanente dos jovens procuradores (então já envelhecidos, mas bem mais experientes e convictos de sua infalibilidade), morrera deixando uma ‘fortuna’ equivalente à metade dos bens deste grande chefe do banditismo nacional… e ele nunca foi presidente da República, banqueiro, empresário ou sequer vereador! Será que participava da gangue do presidente-operário?