Houve uma época – eu era menino, mas me lembro das discussões de meu pai com alguns próceres políticos de Brazópolis – a cidadezinha no sul de Minas onde meus pais nasceram – sobre a campanha “O Petróleo é Nosso” (está aí uma característica da idade ‘avançada’: à medida que o tempo passa, a gente olvida o tempo presente e passa a se lembrar de coisas que ficaram escondidas num canto da memória: no início dos anos 50 eu tinha o quê? 4, 5 anos? A Petrobras já tinha sido criada – em 1953 – e meu pai ainda discutia a campanha ‘O Petróleo é nosso!’?)

Acompanhando os jovens de hoje, vou à Wikipédia, e lá encontro: “O petróleo é nosso!” é uma frase que se tornou famosa ao ser pronunciada, por ocasião da descoberta de reservas de petróleo na Bahia, pelo então presidente da república Getúlio Vargas e que, mais adiante, se tornou lema da Campanha do Petróleo, patrocinada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e promovida por nacionalistas, que culminou na criação da empresa petrolífera nacional, a Petrobras. Após tornar se famosa, historiadores descobriram que a frase foi criada por Otacílio Raínho, professor e diretor do Colégio Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, um marqueteiro casual. ^[1][2]”

Ou seja: há várias gerações atrás, brasileiros se mobilizaram e defenderam suas riquezas naturais contra os interesses multinacionais, que cooptavam (mediante gordas recompensas) a elite nacional para manter o Brasil como uma colônia fornecedora de produtos “in natura” (café, açúcar, carne, minérios em geral). Sendo direto: há 80 anos atrás, poderosos interesses não queriam que o Brasil encontrasse e, quando encontrou, explorasse sua riqueza natural…

Mudou alguma coisa?

No governo Lula, o Brasil descobriu o pré-sal. A capacidade de engenheiros e técnicos brasileiros, trabalhadores da Petrobras, possibilitou a extração desta riqueza em águas profundas, uma técnica que é nossa, brasileira, que nenhuma das chamadas grandes irmãs (petrolíferas) dominavam… Na sociedade capitalista em que vivemos, isto é inadmissível! Resultado: deram um golpe na democracia e colocaram o Pedro Parente, um ex-ministro de FHC e, depois, presidente de uma multinacional no Brasil, para presidir a Petrobras! Que tem cumprido sua missão com exemplar competência: fatiar a Petrobras, torná-la inexpressiva e liberar a exploração do pré-sal para as multinacionais do petróleo.

Eu me tornei um defensor do “petróleo é nosso”, há muitos e muitos anos já, quando a Petrobras ainda dava seus primeiros passos, lendo um livro chamado ‘O Poço do Visconde”, de Monteiro Lobato. Recorro, novamente, a Wikipédia, a salvação dos jovens de hoje, para tentar entender as complexidades do mundo: “O Poço do Visconde é um livro infanto-juvenil^[5], editado por Lobato em 1937 para explicar, de forma lúdica, o petróleo como sendo um recurso finito, e a sua importância para a humanidade.”

Folheando a edição que li em fins de 1950, de capa dura, relembrei a história: o sítio do Picapau Amarelo, onde vivia Emilia, a boneca de pano, Visconde de Sabugosa, um sabugo de milho, e o Marquês de Rabicó, um leitãozinho, além de outros personagens fantásticos, e onde os netos, Narizinho e Pedrinho, da proprietária, Dona Benta, iam passar férias, abrira a Companhia Donabentense de Petróleo, com o objetivo de explorar o poço Caraminguá n° 1.

A intenção de Lobato, óbvio, era despertar a criançada, “o futuro do Brasil”, para uma riqueza, o petróleo, que, diziam políticos, economistas e “especialistas”, principalmente estrangeiros, de então, que não existia no Brasil. O escritor, que tinha sido adido comercial nos Estados Unidos, já havia lançado um livro em 1936, “O Escândalo do Petróleo e Ferro”, em que denunciava ações de empresas estrangeiras, principalmente a Standard Oil, contra os interesses do Brasil nesta área.

Houve uma polêmica muito grande então, que acabou envolvendo os militares: em campos opostos, o general Horta Barbosa (que não admitia a participação de estrangeiros na exploração do ‘nosso petróleo’) e o futuro brigadeiro Eduardo Gomes (favorável ao capital estrangeiro) entraram em batalhas retóricas, até que, em 1939, o primeiro venceu a parada com a descoberta efetiva do ouro negro no Brasil, em Salvador, no bairro de Lobato (mera coincidência, nada tinha a ver com o escritor).

Com o olho grande das petroleiras se movimentando e intensificando o jogo do poder sobre a elite brasileira logo após o fim da 2ª Guerra Mundial, grupos nacionalistas se organizaram e reagiram, com apoio da opinião pública (muito limitada àquela época) e fizeram um escarcéu com a campanha “O Petróleo é nosso”.

Monteiro Lobato, que recentemente (‘coincidentemente’, porque a Petrobras descobriu o pré-sal) foi ridiculamente chamado de racista – Tia Nastácia, a empregada de Dona Benta, era preta e serviçal – colocou no livro infantil toda esta história, dando um recado claro às forças políticas de então, como bem mostra a Wikipédia: “O Brasil, que não tinha petróleo, que estava oficialmente proibido de ter petróleo, (na fantasia de Lobato) passou a ser o maior produtor de petróleo do mundo”. Em O Poço do Visconde, “é clara também a sua visão da influência negativa estrangeira, através da figura de agentes secretos do truste norte-americano, que estariam encarregados de espalhar descrença na população brasileira para que ninguém se mobilizasse, e o Brasil ficasse eternamente a importar petróleo e a vender café.”

Para ficar bem claro: de 1937 a 2017 são 80 anos… Mudou alguma coisa?

Na verdade, houve uma mudança sim, de certa importância, aliás: nos primórdios de 50 e nos primórdios de 60, quem sustentava as elites em seus arreganhos golpistas (e golpes bem sucedidos, claro!) eram os militares; em 2016, foram os concursados engravatados e os togados!

Por que, cá entre nós, o objetivo oculto por trás destes golpes todos é um só: manter o Brasil na senzala, um
mero fornecedor de matérias primas para o mundo desenvolvido… E, neste objetivo, se amoldam, com imensa satisfação, nossa elite política e econômica e nossa classe média alta (onde se inserem os concursados engravatados e os togados).