De festas e farras II

Eu já disse: viver é algo fantástico!  As farras sem limites, sem barreiras, sem pudor acabaram… E sem deixar saudades! A estrada fizera mais uma curva e a caminhada mudou o seu andar. Mas, sem abandonar as festas e os carnavais. A nova família era grande! E era unidDe festas e farras II - 1a. E era amorosa. E gostava de se reunir e estar junta sempre e constantemente, ao contrário da minha, pequena e cada um na sua.

Nos primeiros tempos, não havia muito espaço. A gente morava num apartamento na Asa Norte, assim como toda a família morava em apartamentos ou casas pequenas, todos batalhando para ganhar o pão nosso de cada dia, restringindoDe festas e farras II - 3 as festas ao tradicional, os aniversários, natais, São João e que tais.

Mas minha mulher era persistente. E nós compramos uma chácara, na verdade uma nesga de terra, 5.000 m², a 70 quilômetros de Brasília. Era mato sAs belas 1ó, ou melhor, uma porteira, algumas jabuticabeiras e mangueiras cercadas de mato, uma casinha com telhas de zinco – sala, dois quartos, cozinha e banheiro, sem energia elétrica e com água de cacimba – para onde boa parte da família começou a ir quase todo fim de semana, o que, por si só, já era uma grande festa.

Mas a primeira grande festa mesmo aconteceu pouco tempo depois, uma festona junina que teve, por motivo oficial, comemorar os 80 anos de meu pai. Ainda sem energia elétrica, a luz da fogueira iluminou as corridas deVera Stião 1 saco, de colher com ovo, a pescaria da criançada e, claro!, a quadrilha. Tenho certeza que meu pai nunca teve uma festa tão, como ele diria, supimpa!

Com o tempo, a luz foi dada… Ou, melhor, foi comprada e instalada. Assim como um poço artesiano com caixa d’água à altura. E a chácara, batizada Chalueo, progrediu. O mato foi substituído pela horta, pelas galinhas e patos, pelo Mussum, o guardião vira-latas, pela casinha do caseiro. A casa ganhou cobertura de telha, mais quartos, cozinha caipira, um varandão com churrasqueira e fogão à lenha, e uma piscina. E surgiram árvores frutíferas inesperadas, além das tradicionais bananeiras, laranjeiras e goiabeiras: jenipapo, tamarindo, sirigüela, caqui, pitanga, cidra, acerola… Com uma explicação plausível para tão surpreendente generosidade da terra: o dono anterior, de quvarandão 1em a compramos, era um japonês que lá plantava tudo que ficava conhecendo no Brasil; abandonada por uns tempos, ao ser re-habitada, a vida renascera, pujante, fantástica, agradecida.

E, para comemorar, tratávamos de festejar!

E foram festas e mais festas… carnavais, natais, passagens de ano, aniversários, os 15 anos de uma filha, com direito à valsa toNiver 15 Nessacada ao violino pelo avô… Festas com a presença de 50, 100, 150 pessoas, e que transcorriam na mais absoluta paz e concórdia, sem brigas, sem confusões, sem desentendimentos, apesar das bebedeiras homéricas e dos desejos inevitáveis atiçados pela alegria contagiante.

Aleatoriamente, relembro instantâneos de três: numa, aniversário de Bia, mãe de criação da família, tinha tanta gente que, quando resolvi dormir, alta madrugada, e fui para o meu quarto, não consegui: havia umas dez crianças, pelo menos, espalhadas pela cama de casal e uma de solteiro quCópia de sono soltoe havia no quarto… voltei para a festa e, manhãzinha já, eu e minha mulher dormimos na carroceria do carro, uma Pampinha vermelha; noutra, junina, em que a gente tinha contratado uns violeiros para tocar, já quase amanhecendo, poucos gatos pingados em volta ouvindo os cantadores, um deles baixou a viola e adormeceu… Tina, uma tia de minha mulher, companheira de chácara desde seus primórdios, espantou o sono do músico sem cerimônia: “Qualé, meu filho, minha sobrinha contratou vocês para tocar até o sol raiar…! Toca aí, que eu quero dançar!” E, na terceira, o casMussum 1amento na roça acabou com meu compadre carregando a comadre num carrinho de pedreiro direto para a casinha do cachorro… para o uivante desgosto de Mussum!

Relembro, também, um dos carnavais, em que um dos dias foi festejado na cidade. Eu tinha uma S-10 na época, e minha mulher resolveu levar a criançada para pular no carnaval de rua da cidadezinha próxima, Alexânia, há uns 06 quilômetros da chácara. E lá fomos nós levando 17 crianças na carroceria, todas pulandoDe festas e farras II - 9 e cantando excitadas com a novidade… Um perigo, sem dúvida… mais perigoso ainda na volta: as crianças, cansadas, estavam quietas, mas o motorista, eu, tinha tomado uma dúzia de cervejas!

Mas, havia carnavais fora da Chalueo também! Antes dela, parte da família viajou 2.500 quilômetros em dois Passats para pular o carnaval em Redinha, Natal! Eu queria que minhas filhas conhecessem o Brasil real – os rios secos, as árvores esturricadas, os bois e bodes esquálidos, as crianças macilentas e barrigudas – e propus a viagem pelo sertão. Três cunhados toparam, um com aDe festas e farras II - 7 mulher e o filho pequeno (outra, com o filho recém-nascido, foi de avião). A viagem toda foi uma festa, na ida (Goiás, Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) e na volta (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Bahia e Goiás), pois carnaval mesmo só fomos num dia, num lugar próximo, Portal das Dunas, salvo engano.

E, já com a Chalueo, teve Conceição da Barra, praia do Espírito Santo, outro lugar em que fomos de carro, desta vez 04 carrosDe festas e farras I - 12, cada um com sua família completa. Lá, a festa estava por toda a cidade, em pré-carnavais noturnos, com trios elétricos que eram acompanhados pelas crianças entusiasmadas… e por nós, adultos, ligeiramente mortos dos tantos mergulhos no mar, da jogatina e da inevitável cervejada pelo dia todo.

A vida é fantástica, repito mais uma vez… Mas é implacável, pois o tempo não perdoa!  Ao mesmo tempo em que envelhecemos e construímos nossa liberdade financeira, nossas crianças adolescem e buscam seus próprios caminhos. Cada família construiu seu próprio espaço e outras festas ficaram mais interessantes para as crianças. A Chalueo ficou só.

Já era época de me aposentar e senti que não conseguiria me mudar para a chácara, um sonho acalentado desde sempre – minha mulher trabalhava e as filhas ainda estudavam.  Ia sozinho para lá e não gostava de vê-la abandonada. Decidi vendê-la. Aproveitei um Programa de Demissão Voluntária, saí da empresa e me aposentei. E comprei outra chácaGalo 1ra, esta com 20.000 m² e dentro de Brasília, praticamente, também batizada Chalueo. Para plantar verduras, milho, feijão, mandioca, criar galinhas e patos e comer e chupar frutas transplantadas da Chalueo original. E para construir minha casa Jan17 - milhodefinitiva – onde moraria até o fim – e para reunir a família novamente pois, como já disse, minha mulher era persistente!

Construímos a casa e para cá nos mudamos lá se vão 13 anos. E novas festas bombaram! A última, dois anos atrás, exatamente para comemorar 25 anos de existência das Chalueos: três dias de festa, com direito a tudo que uma festa junina tem, da batata doce assada na fogueira até a quadrilha, onde até minha mãe, com 95 anos, dançou. Além de uma gincana em que as ‘crianças’, todas já adultas, algumas com filhoP1080382s, participaram entusiasticamente, feito crianças… e de sessões-nostalgia, com cenas históricas das festas da Chalueo original sendo transmitidas por um vídeo-caP1080129ssete daqueles tempos.

Aí, como a vida é fantástica, surgiram outras curvas na estrada. As filhas foram embora, cada uma traçando sua própria vida. E minha mulher também se foi, creio que em busca de outro caminho… Todas querendo encontrar a coisa essencial da vida, a felicidade que, tenho certeza, encontrarão! Quem já viveu feliz, sabe que a gente não precisa de muita coisa para estar assim, feliz.

Quanto a mim e meu gosto por festas e carnavais, resta perguntar: “E agora, Drummond? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, De festas e farras II - 12e agora, José? e agora você?”
E responder, como Mário Quintana: “Eu não tenho paredes, só horizontes”, pois “uma vida não basta ser vivida: também precisa ser sonhada.”

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8 comentários em “De festas e farras II

    1. Que bom, Kika… depois da água gelada do primeiro texto pessoal que publiquei, é bom saber que gostam do jeito que escrevo. Prometo não fugir mais da raia.

    1. Há um texto do Mário Quintana que diz assim: “Não importa saber se a gente acredita em Deus. O importante é saber se Deus acredita na gente. O segredo é não correr atrás das borboletas… É cuidar do jardim para que elas venham até você.” Não sou poeta e não sei se o tempo que me resta será suficiente, mas vou cuidar do meu jardim, torcendo para que as minhas histórias, a nossa história, seja útil para alguém…

    1. Muito feliz por saber que você está lendo meu blog, Aline. Fico no aguardo das críticas e sugestões, que serão sempre bem vindas. Beijo grande.

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