Ódio a Lula (II)

De qualquer modo, estas discussões emocionais (intensamente repetidas nas redes sociais) me levam, sempre, à dúvida inicial: por que a classe média odeia Lula?  Outro dia, em conversa com um amigo anti lulista, tentei ir mais fundo nesta questão. Ex colega de trabalho e tendo as origens (filho de profissionais liberais) e o mesmo perfil sócio-econômico que eu, e com a família já criada e bem postada na vida como eu, sempre me espantou seu ódio ao petismo e à Lula,  talvez explicável porque foi exatamente no início do governo Lula, 2002, que ambos aproveitamos um Programa de Demissão Voluntária bastante favorável, e nos aposentamos (para muitos, a aposentadoria é uma desgraça!)

Eu já estava no terceiro uísque e ele na segunda garrafa de vinho francês quando consegui vislumbrar, dentre o monte de justificativas idiotas – aquelas típicas divulgadas pela Veja ou pelo Jornal Nacional ao longo dos últimos anos – uma possível razão emocional para um ódio tão palpável: preconceito! Meu amigo não se conforma de ver um retirante do Nordeste, um ‘analfabeto’ de pai e mãe, um torneiro-mecânico com diploma do SENAI, um cara que “não gosta de ler livros”, um cara que toma cachaça e fala palavrão a torto e a direito, um apedeuta, enfim, chegar ao mais alto cargo do país (e sair com 80% de aprovação!), enquanto ele, filho de pais universitários, formado em Agronomia por Lavras e pós-graduado pela Lethbridge University do Canadá, apreciador de vinho francês, que conhece profundamente, fluente em inglês, francês e italiano, nunca ter passado de chefe de departamento de uma empresa nacional…

Quem me lê pode achar que o preconceituoso, neste caso, sou eu: imagina se uma pessoa bem educada, culta, responsável, ia ter preconceito, inveja, despeito por causa disto? Mas, se a gente analisar o fato com isenção, vai concluir que este preconceito é real, tão real quanto o racismo ou a homofobia que existem, mas não são claramente admitidos pelo brasileiro em geral.

Quem conhece a história do Brasil, é capaz de me responder: desde a instalação da República, quantos presidentes nós tivemos que não tinham diploma universitário? Eu mesmo respondo: em 129 anos republicanos, os brasileiros foram governados por 34 presidentes, incluindo os vices que ascenderam e exerceram o poder… Foram 19 bacharéis em Direito, 08 militares (junta militar não entra), 02 economistas, 01 bacharel em Letras, 01 médico, 01 sociólogo e 01 engenheiro civil… Agora, respondam rápido: quantos emergiram da classe trabalhadora, do povo, e não tinham diploma universitário? Um! Luis Inácio Lula da Silva!

Pensando nesta conversa depois, me lembrei de uma história que aconteceu comigo há muitos anos num imenso canavial das Alagoas: após percorrer uma longa estrada, latifúndio  adentro, ser muito bem acolhido na casa do gerente geral, fazer uma visita instrutiva ao canavial e à usina de beneficiamento de açúcar, fomos conhecer a casa grande, no alto de uma colina, com uma vista deslumbrante para aquela imensa extensão de terras verdes.

O dono não morava na casa grande… sua residência oficial era em Recife, mas lá se encontrava uma senhora com 50/60 anos que me foi apresentada como a diretora geral das escolas do latifúndio, o que me interessou muito, pois me pareceu uma visão moderna do latifundiário, que propiciava ensino para os filhos de seus empregados, algo impensável nos velhos ‘coronéis’ de até poucos anos atrás.

A ‘velha senhora’, muito solícita e prolixa, se entusiasmou com o meu comentário elogioso e passou a relatar sua vida de professora, iniciada ali mesmo, na primeira escola rural construída na fazenda, e sua luta incansável, vitoriosa enfim, para que os patrões ampliassem as estruturas escolares, dado o número cada vez maior de crianças vivendo dentro dos limites do canavial. Daí, me levou até o varandão que circundava parte da casa grande e começou a mostrar várias casas espalhadas pela fazenda. Eu contei sete, enquanto ela explicava, orgulhosa: “cada uma destas escolas permite que entre 30 e 40 crianças tenham o primeiro grau completo, sem precisarem sair da fazenda!”

Aí, minha curiosidade foi mais forte e eu caí na besteira de perguntar: “E depois?” E, ela, um pouco murcha, mas desafiadora: “Bem… aí, sabendo o abecê, os jovens já podem começar a ajudar os pais no canavial ou na usina… “E se os pais quiserem que os filhos continuem estudando?”, insisti. “Eles têm que ir embora da fazenda, pois o patrão não tem porque gastar mais dinheiro com eles e não há como os pais sustentarem os filhos na cidade, o senhor não concorda?”

Ou seja, a modernidade patronal tinha causa e efeito: mão de obra ‘abecezada’ e dependente (ou imbecilizada) permanentemente à disposição… Do ponto de vista do latifundiário, um representante da elite nacional desde os tempos coloniais, a lógica do procedimento é a esperada; do ponto de vista da velha professora, típica representante da classe média, que sobrevive pelos próprios méritos, é inevitável o questionamento: por quê, mais do que concordar, ela justifica a atitude do patrão?

A resposta a isto talvez explique porque a classe média tem tanto ódio de Lula…!

 

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