De vices gulosos

Meus pais se mudaram para Belo Horizonte quando eu tinha seis anos. Fora o primeiro ano, em que a gente viveu num hotel, eu morei na Tupin x Bahiarua Tupinambás com Bahia até os 25 anos, quando casei. O Edifício Mantiqueira foi o primeiro prédio de apartamentos da região, com uma localização perfeita para crianças e adolescentes: dois quarteirões da Praça Sete, durante muito tempo o centro de Beagá, dois quarteirões do Parque Municipal, um lugar sem cercas para diversões infindas, e dois quarteirões da Praça da Estação, onde marias-fumaças e litorinas levavam nossa imaginação a lugares distantes e maravilhosos.

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Com o tempo, outros prédios foram sendo construídos e outros jovens – muito mais meninos que meninas – foram se incorporando à turma original do meu prédio, a ponto de constituirmos o Mantiqueira Esporte Clube, com uniforme verde e branco, que disputou (e ganhou uma vez) o Campeonato Municipal de Futebol de Salão (ainda não era futsal e jogava-se com 05 jogadores, goleiro, dois beques e dois atacantes)

O time era bom, principalmente pelo goleiro, Carlos Alberto Itatiaia (porque morava no hotel Itatiaia, na Praça da Estação), mas tinha, também, dois atacantes muito bons, Paulinho Doró (porque morava no Edifício Aurora) e Paulinho Totoso (ele abominava o apelido, mas foi mantiqueira 1inevitável: moreno mais bonito que nós todos, na avaliação de meninas e mães, a gente associou-o ao Nescau, que tinha uma propaganda que dizia ‘gostoso como uma tarde no circo’). Na zaga, Antônio Carlos, meu amigo desde o primeiro ano de grupo escolar, que morava na Espírito Santo, e eu, enquanto a miopia e os óculos não me atrapalharam de jogar, e, alternadamente, Ronaldo, o Louro (ele, eu e Totoso morávamos no Mantiqueira).

Havia reservas, claro, sempre dispostos a entrar, e havia torcida – moradores dos edifícios e, principalmente, pais e mães, irmãos e irmãs, primos e amigos. Com o tempo, acabamos por fundar um clubinho mesmo, com estatuto e diretoria, cuja presidência foi dada ao Paulinho Branco, outro grande atacante que, infelizmente, só treinava: fiel de uma seita evangélica, ele era proibido pelos pais de jogar bola aos domingos.

Depois que a gente conquistou o título municipal, a “turma do Mantiqueira” ficou conhecida e muitas turmas famosas na Belo Horizonte de então começaram a fazer incursões em nossa área, procurando confrontoviad florestas futebolísticos e, também, físicos, o que não era nossa praia. Havia duas turmas que não enfrentávamos de jeito nenhum: a da Floresta, que descia pelo viaduto, virava na rua da Bahia e caminhava por três quarteirões até chegar na Tupinambás… onde não encontrava ninguém para enfrentar! E a do San Remo, um prédio da rua da Bahia, depois da avenida Afonso Pena, que descia uns seis quarteirões fazendo zoada, mas também não encontrava ninguém para brigar na nossa rua. Outras turmas, menos famosas e violentas, a gente até encarava, mas era coisa extemporânea.

pato donald 1   Aí, apareceu Xexaco. Não me lembro do nome, mas o apelido foi dado por causa de um personagem de história em quadrinhos, um pato louro e alto do Alaska que ia passar uns dias na casa do primo Donald. Xexaco era louro, alto, muito bom de bola e de papo, conquistando uma vaga no time – eu já aposentara o quedis, vez que não podia jogar de óculos e jogava mal sem ele – e os suspiros das meninas da turma. Mas, ele era guloso: em três meses, já era vice-presidente do Clube e, com ousadia, levantou recursos suficientes para comprar, além de bolas e uniformes, mas sem qualquer consulta à diretoria, armas, como soco inglês, cabo de aço, corrente, revólver de plástico… Ele ansiava por enfrentar as turmas da pesada.

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soco inglês  Paulo Branco, mercê de sua postura religiosa tentou brecar as intenções de Xexaco. Foi “impinchado” e saiu do clube, acompanhado pela turma dos antigos, inclusive eu, os Paulinhos, Antônio Carlos, Ronaldo e Carlos Alberto. E Xexaco assumiu a presidência… de um clube que morreu logo depois, sem ganhar outro campeonato e sem brigar com as turmas da Floresta e  da San Remo.

Esta história me veio à memória depois de ler o discurso de presidente do ainda vice Michel Temer, “vazado” no Whats’App. Com mais de 50 anos de política, Temer conhece muito bem uma daquelas frases de efeito de Brizola: “a política ama a traição, mas abomina o traidor”. E, caso seja de fato  presidente, algo que ele já se acha, vai perceber muito rapidamente o quanto Brizola sabia o que dizia. Pena que o que vai para o brejo, com ele, não será um clubinho de meninos do Centro de Belo Horizonte, mas um país com 200 milhões de habitantes.

 

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