Começam a aparecer interrogações razoáveis entre brasileiros que pensam além do próprio umbigo: será que existe uma influência da narco-traficância sobre alguns poderes do país? A pergunta é mais que pertinente. Quem acompanha com atenção a política internacional, sabe o quanto os narco-traficantes se infiltraram em países produtores e, claro, nos Estados Unidos, maior consumidor de drogas no mundo.
São inúmeros os casos que afloram no noticiário há bastante tempo sobre o poder político de figuras nem sempre sombrias – as séries sobre Pablo Escobar e El Chapo que o digam – em governos democrática ou ditatorialmente estabelecidos. Nos países hermanos, então, lembro, de memória:
– a história do recém-falecido general Noriega, agente da CIA que se tornou presidente do Panamá, governando um dos quintais ianques por 06 anos (1983/89), quando, comprovada sua ‘qualidade’ de chefete do tráfico, foi derrubado pelos marines americanos, que invadiram o país por ordens do presidente Bush, o pai. Deportado para os Estados Unidos em 1990, morreu em maio último, de câncer, na prisão;
– a história da Colômbia, onde as FARC – Forças Armadas Revolucionárias, organização guerrilheira de esquerda que combateu durante uns 50 anos o poder oligárquico constituído e acabou, nos últimos tempos, antes de assinar a paz com o governo, se associando ao narco-tráfico, que financiava suas ações; interessante é que no período de maior enfrentamento entre governo e guerrilha, quando a Colômb
ia era governada por Alvaro Uribe (2002/2010), o que se dizia na imprensa internacional era que o combate, na verdade, era entre dois cartéis do narco-tráfico, o das FARC e o do presidente…;
– a história do México, principal porta de entrada das drogas nos Estados Unidos, onde o narcotráfico se tornou um dos mais importantes pilares econômicos do Estado, havendo regiões, como o noroeste do país, onde os governos locais são exercidos diretamente pelos cartéis de drogas, sem qualquer possibilidade de ingerência pelo governo central, tenha ele a posição política que tiver.
E é só pesquisar um pouco para constatar estas mesmas situações em dezenas de países pelo mundo, como Filipinas, Indonésia, Afeganistão, Índia, as nações asiáticas da ex-União Soviética e a própria Rússia, que formou tantas máfias, de comércio de armas e de mulheres, por exemplos, sempre associadas às drogas, no pós-comunismo.
E aqui entra a pergunta: por que seria diferente no Brasil? Nós temos a doce ilusão de que Deus é brasileiro, apesar de ele andar de férias há algum tempo, mas com uma fronteira terrestre de 17.000 quilômetros, boa parte dela com países produtores de coca – Bolívia, Peru, Colômbia – por quê os traficantes iriam deixá-lo leve, livre e solto, contentando-se em abastecer morros, favelas e bairros periféricos dos grandes centros? Por que não infiltrar-se no poder constituído e dominar áreas importantes do Estado, expandindo suas possibilidades de lucros?
Aí estão os casos recentes do helicoca apreendido com 450 kg de pasta de cocaína, e do bimotor com outro tanto de droga obrigado a descer numa pista de Goiás depois de, presumivelmente, levantar vôo de uma das fazendas do atual ministro da Agricultura. Só relembrando:
– helicoca foi o nome dado pelos ‘blogs sujos’ ao helicóptero dos Perrela, pilotado por um funcionário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, lotado no gabinete do então deputado Gustavo Perrela, filho do senador Zezé Perrela, que foi apreendido numa fazenda no Espírito Santo. Quatro pessoas foram presas em flagrante, entre elas o piloto do helicóptero.
– avião bimotor interceptado pela Força Aérea Brasileira (FAB) num domingo com 662 quilos de cocaína que, segundo disse o piloto à defesa aérea, quando estava sendo monitorado, havia decolado da fazenda Itamarati Norte, no município de Campo Novo de Parecis (MT), informação esta dada por meio de nota pelo Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. A propriedade rural é arrendada pela empresa Amaggi, pertencente à família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Segundo a empresa, a fazenda conta com 11 pistas autorizadas para pouso eventual (aviões agrícolas normalmente), não demandando vigilância permanente.
Tudo muito bom, tudo muito bem… a informação dos Perrela de que o piloto do helicóptero estava agindo à revelia dos parlamentares e a afirmação do piloto do bimotor, depois de preso, que não falara a verdade quanto à saída do avião da fazenda Itamarati, podem corresponder à pura verdade, mas que dá para que pulgas bem graúdas pulem atrás das nossas orelhas, lá isto dá… E por uma razão bem simples: por que logo após serem noticiados, ambos os casos desapareceram da grande imprensa? Por que, no caso do helicoca, todos os envolvidos, piloto, carregadores, receptores, presos em flagrante, foram libertados e o processo devidamente engavetado? E por que, no caso do bimotor, as coisas estão tomando o mesmo caminho?
E por que Aécio Neves, amigo do peito e chefe político dos Perrela – que foi contemplado com um famoso artigo intitulado “Pó pará, governador?”, no Estadão, quando disputava com José Serra a indicação de candidato do PSDB à Presidência, em fevereiro de 2009 – foi, durante uns 03 anos, blindado pela Lava Jato, com integral apoio do Procurador Geral da República e, após esta “proteção” acabar, teve o cargo de senador devolvido monocraticamente, antes de ter a suspensão de seu cargo julgada pelo plenário do STF?
Mais interrogações: acabou de sair em ‘blogs sujos’ que o ministro Fachin recebeu ameaças – uma mensagem com palavras ameaçadoras, devidamente encaminhada à segurança do STF, para análise e providências cabíveis. Isto lembra alguma coisa? Antes de morrer num acidente aéreo, ainda meio nebuloso, Teori Zavascki, o relator da Lava Jato antes de Fachin, também vinha recebendo ameaças, como informou seu filho Francisco: “Ele se preocupava, todo mundo se preocupava, porque acabava envolvendo n
ão só os filhos, mas os netos dele. Teve uma, que foi o auge do absurdo, pegaram a foto do meu sobrinho, que tinha dois anos de idade na época, e diziam: se encontrar com ele por aí, dá uma prensa nele. Uma criança, um bebê. Esse nível de coisas”, conta ele. Aliás, como andam mesmo as investigações sobre o acidente? E por que a grande imprensa se desinteressou pelo assunto? Estão esperando algum outro ‘acidente’ com o atual relator da Lava Jato?
Será que os poderes constituídos estão sendo sutilmente “aconselhados” a não revirar muito a fossa porque o fedor pode se tornar insuportável?