Há algo extremamente podre vicejando no Brasil. Ou, talvez, este apodrecimento já venha desde os tempos do descobrimento e só agora, com a liberdade que qualquer um tem para manifestar-se e divulgar a realidade, através das redes sociais, ele tornou-se visível a ponto de causar desconforto aos olfatos mais sensíveis.
O fato é que, a cada dia, fica mais evidente o mau caratismo de nossas lideranças de todas as instâncias, exatamente as pessoas que deveriam servir de exemplo para a população, figuras políticas, judiciárias, religiosas, ídolos do ‘show business’ e esportivos que são seguidos pelas redes sociais e imitados em seus gestos, palavras e atos por centenas, milhares de pessoas que neles se espelham para viver seu dia-a-dia rotineiro e sem quaisquer emoções maiores.
Basta atentar para o noticiário da semana para sentir o nível de degradação a que chegaram princípios tão necessários ao ser humano, como honra, ética, respeito, dignidade no Brasil de hoje:
– “O ministro oculto Mesmo fora do Ministério do Planejamento há dez dias, o senador Romero Jucá segue atuando como integrante do primeiro escalão do governo. Frequenta o gabinete de Michel Temer e despacha com seus principais ministros. Na terça, reuniu-se com Henrique Meirelles (Fazenda) para discutir o teto dos gastos públicos e a ampliação da DRU (Desvinculação das Receitas da União). Foi dele ainda a sugestão de ter o tucano Aloysio Nunes como líder do governo no Senado. Teus sinais Na cerimônia de posse dos presidentes de estatais, nesta terça, após deixar o gabinete de Temer, Jucá sentou-se na primeira fila, ao lado dos demais ministros. Dyogo Oliveira, titular interino do Planejamento, ficou na cadeira de trás. (Painel, da Folha de São Paulo)”.
Quer dizer, o cara foi defenestrado do Ministério do Planejamento uma semana depois de ser nomeado, por causa do vazamento de uma gravação em que ele dizia que a Dilma precisava ser derrubada para que a Lava Jato fosse controlada… e continua mandando! E não há manchetes garrafais da grande imprensa. Não há condenação virulenta do ministro Gilmar Mendes. Não há qualquer indignação televisiva do Jornal Nacional.
– “Em uma ação articulada do presidente em exercício Michel Temer, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira, 2, 14 projetos de reajustes de servidores de diversas carreiras públicas federais. O reajuste médio concedido foi de 21,5%, divididos em quatro anos… os projetos têm impacto nos cofres públicos de pelo menos R$56 bilhões até 2019, sem contar o “efeito cascata”.
Quer dizer, uma das causas “técnicas” para o afastamento da presidenta Dilma – o que levou a classe média para as ruas, especialmente em Brasília – era, justamente, a sua resistência em concordar com aumentos salariais para as carreiras públicas federais, exatamente para não comprometer a difícil situação econômica do país, mas a primeira medida de peso que o governo interino faz força para a Câmara aprovar são estes reajustes, inclusive um que vai botar mais 5.000 reais/mês (06 salários mínimos) no bolso de cada ministro do STF. Não há quadros e gráficos comparativos nos grandes jornais com os 11 milhões de desempregados. Não há discursos furibundos dos líderes Ronaldo Caiado e Antônio Imbassay contra os privilégios dos funcionários “protegidos pelo PT”. Não há indignação televisiva da Miriam Leitão contra o desequilíbrio das contas públicas.
– “As negociações do acordo de delação de Léo Pinheiro, ex-presidente e sócio da OAS condenado a 16 anos de prisão, travaram por causa do modo como o empreiteiro narrou dois episódios envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva… Segundo Pinheiro, as obras que a OAS fez no apartamento tríplex do Guarujá (SP) e no sítio de Atibaia (SP) foram uma forma de a empresa agradar a Lula, e não contrapartidas a algum benefício que o grupo tenha recebido. A versão é considerada pouco crível por procuradores. Na visão dos investigadores, Pinheiro busca preservar Lula com a sua narrativa.”(Porta UOL)
Quer dizer, os impolutos membros da força tarefa da Lava Jato já atingiram aquele estágio de perfeição em que são os únicos donos da verdade absoluta: além de prenderem seus suspeitos por tempo indeterminado, até que façam delação premiada, ainda exigem que a delação, para valer, tem que ser do jeito que eles querem, incriminando quem eles acham que é culpado. Não há qualquer admoestação por parte de chefes e órgãos controladores. Não há qualquer manifestação de contrariedade por parte de Suas Excelências da Suprema Corte. Não há qualquer alerta da imprensa quanto aos perigos de uma ditadura judicial.
– “Em sua delação premiada firmada com a força-tarefa da Operação Lava Jato, o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE), condenado pelo juiz Sérgio Moro a 20 anos e três meses de prisão… que admitiu ter se envolvido em crimes desde seu primeiro mandato parlamentar, em 1978 pela extinta Arena, afirmou aos investigadores que o episódio envolvendo o governo FHC (1995-2002) “foi um dos momentos mais espúrios” que ele presenciou em todos os anos de deputado federal… houve uma disputa de propinas (entre) Fernando Henrique e o deputado federal Paulo Maluf …” (Portal UOL)
Quer dizer, o probo ex-presidente Fernando Henrique que, recentemente, disse que “enquanto o Lula não explicar a responsabilidade dele em todos esses processos, enquanto ele não me convencer de que não tem nada a ver com isto, não tem o meu respeito”, é acusado diretamente por um delator – que está tentando se livrar de uma pena de 20 anos de cadeia – de ter feito uma “disputa de propinas” com Paulo Maluf, e fica por isso mesmo. Não há qualquer nota do iFHC contestando o teor da acusação. Não há qualquer providência do Ministério Público no sentido de investigar a denúncia (não vem ao caso?) A matéria nem é dada no Jornal Nacional (é notícia velha?)
– “Embrulhado numa bandeira do Brasil, o tucano Caio Nárcio se postou em silêncio diante do microfone. Num gesto teatral, ergueu o pavilhão acima da cabeça, deixou que o pano deslizasse pelos ombros e começou a discursar. ‘Por um Brasil onde meu pai e meu avô diziam que decência e honestidade não era possibilidade, era obrigação. Por um Brasil onde os brasileiros tenham decência e honestidade’, disse, com ar compungido. O deputado mineiro voltou a silenciar, como se meditasse sobre o momento grave da República. Olhou para os lados, respirou fundo e elevou a voz. ‘Por Minas, pelo Brasil, para os jovens que estão lá fora nas ruas. Verás que um filho teu não foge à luta! Siiiiiiiiiim!’, concluiu, com um berro.” (Bernardo Mello Franco/FSP)
Quer dizer, o deputado mineiro, jovem ainda, fez uma coreografia teatral digna de uma TV Globo que, aliás, transmitiu toda a sessão de impeachment, aproveitando o ensejo para homenagear o pai, tradicional político de Minas, onde foi presidente do PSDB e secretário do então governador Antonio Anastasia, e considerado “um dos mais completos homens públicos do seu tempo” pelo senador Aécio Neves. Sorte do deputado que sua encenação aconteceu antes de seu homenageado pai, Nárcio Rodrigues, ser preso sob suspeita de corrupção. Ele é acusado de cobrar R$ 1,5 milhão em propina quando era secretário do governo Anastasia. Não é coincidência, claro, que o relator do impeachment da presidenta Dilma no Senado seja, justamente, o senador Anastasia…!
– Foi bastante difundida, há algum tempo, a atitude do ministro Gilmar Mendes em relação ao processo que proibia o financiamento de campanhas políticas por empresas; o processo já estava aprovado, por maioria, no STF, quando o ministro pediu vistas, sentando em cima do processo por um ano e meio. Mas, quase nenhuma divulgação tem a atitude do ministro Luiz Fux em relação a um embargo de declaração feito pelo jurista Fábio Konder Comparato, representado o Conselho Federal da OAB, pedindo uma definição do STF quanto a inclusão, na anistia, de crimes de desaparecimento forçado de pessoas e de ocultação de cadáver. Legalmente, tais crimes são considerados “continuados” ou “permanentes”, não sendo encerrados até o seqüestrado reaparecer ou o cadáver ser encontrado. Ou seja, como o crime não prescreveu, seus possíveis executores não podem ser anistiados. Mas o processo está sob vistas do ministro Fux há 04 anos, apesar do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal estabelecer tempo (bem menor que este) para que ele seja devolvido ao julgamento do plenário. Para completar, outro ministro, Dias Tóffoli, recusou recurso do PSOL que considerou a demora na decisão de julgar o processo uma recusa de prestação de justiça.
Quer dizer, os juízes da mais alta Corte do país, que acabaram de ter seus salários reajustados em 16,4% (de R$33.763,00 vai passar para R$39.293,00), estão levando de 15 a 48 meses para dar seus pareceres sobre processos que podem ter repercussão significativa junto a sociedade. Será que é porque não estavam recebendo salários à altura de suas importâncias? Ou será que é porque não contam com um suporte técnico-administrativo suficiente para cumprirem, a contento, suas altas responsabilidades? O que é difícil de acreditar pois, conforme o quadro ao lado, o Brasil tem 205 servidores para cada 100.000 habitantes, enquanto a Alemanha tem 61, quase 3,4 vezes menos…
Enfim, será que com este apodrecimento se tornando visível cada dia mais, o brasileiro deixa de ser esta tão decantada e aplaudida figura cordial, brincalhona e… passiva e passa a encarar a sério o fato de que um país só se torna grande e justo a partir de seu povo?