As novas classes (III)

De qualquer modo, a redemocratização foi abraçada pela maioria do povo e quando a ditadura caiu e a liberdade venceu, em 1985, o regime democrático foi encarado como um caminho seguro e sem volta do país para um passado sombrio.

Quem viveu e sobreviveu a toda aquela época, sabe que houve um momento, na ditadura, em que generais e políticos perderam a mão e os guardas das esquinas tomaram o poder… As autoridades, os políticos, a Justiça e a elite sabiam que existiam porões, mas não ousavam encará-los e enfrenta-los (mesmo o general Geisel, que confrontou a linha dura, demitindo o ministro do Exército, Silvio Frota, sabemos hoje, autorizou o justiçamento de “inimigos” do governo!).

Nós tomamos consciência do horror quando a brutalidade dos porões passou a não dar qualquer importância para o que a sociedade podia estar dizendo. Imbuídos de um poder sem limites, os porões desprezavam todos e qualquer um… Não é isto que o poder permite?

Minha geração tinha que estar preparada e devia ter preparado as gerações seguintes para isto, caso isto voltasse a acontecer na democracia. Não é assim que a democracia se fortalece?   Conhecendo a história? Tomando consciência de seus erros?

Onde foi que nós nos perdemos, pois? Pois agora, na democracia, houve um momento em que os concurseiros empoderados como tecno-burocratas tomaram o poder. E, como disse meu amigo repórter, “a democracia empodera muitas pessoas que não estão preparadas para deter um poder, por mais limitado que ele seja.”  Ou, como dizia meu professor de Ética na faculdade: “Tem gente que não pode subir num banquinho que acha que é Deus!

Procuradores – e não só da Lava Jato – passaram a oferecer denúncias baseadas em manchetes de jornais, acusando pessoas ‘por convicção’ e jogando reputações na lama antes mesmo de confirmar a existência de algum crime; operações sigilosas tornaram-se espetaculosas, com centenas de federais sendo convocados no país inteiro – com direito à diárias – para invadir faculdades ou prender meia dúzia de professores; auditores fiscais iniciaram investigações secretas, sem licença judicial, sobre autoridades que se manifestavam contra os desrespeitos à Constituição; juízes e desembargadores vomitavam posições políticas pelas redes sociais… E a sociedade, como um todo, aplaudia ou acoelhava-se, dentro daquela máxima da covardia implícita: se o Estado acusa é porque o acusado fez alguma coisa errada!

Barbaridades inomináveis aconteceram naqueles porões da ditadura. O que começou como ‘patrióticas marchas’ com Deus contra o comunismo, transformou-se pouco a pouco, na medida em que a sociedade se omitia e o permitia, numa insanidade monstruosa, em que seres humanos deixavam aflorar seus mais baixos instintos e os executavam em outros seres humanos totalmente indefesos. E os primeiros passos foram dados exatamente com o desrespeito com que generais, políticos e juízes passaram, pouco a pouco, a interpretar as leis, a Constituição, a liberdade com relatividade…

Há 03 anos apenas, o Congresso criou mecanismos para atalhar a Constituição e aprovar um impeachment… Há 02 anos, Temer conseguiu que o mesmo Congresso aprovasse o teto de gastos, que já está sufocando a capacidade do Estado investir em qualquer coisa.

E neste tempo, um juiz de chão e seus comparsas, sem qualquer restrição de superiores amedrontados,  aplicaram  um arremedo de lei para acusar, torturar psicologicamente e prender adversários políticos. Hoje, um ditador de meia tijela, escorado em generais de pijama saudosos da ditadura e numa elite sedenta de lucro, está acabando com o Estado de vez! E a sociedade se omite e permite de novo… Não demora muito para voltarmos à barbárie!

A democracia não é perfeita, claro… Churchill a chamou de a pior forma de governo, fora as demais, mas a natureza humana é incapaz de aceitar a convivência humana sem violência, sem predominância, em paz entre os diferentes… O presidente eleito por 57 milhões de brasileiros é a prova viva e diária disto: 08 meses depois de empossado, ele continua se achando o Mito de seus fanáticos seguidores nas redes sociais e não o executivo-mor de um povo com 210 milhões de pessoas, 90% delas pobres e miseráveis. Aliás, creio que seja por isto mesmo que ele considera o Brasil um lixo!

O miliciano Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil em consequência de uma série de fatores imprevisíveis: Dilma, uma técnica eficiente, foi uma presidenta inepta, mas foi reeleita, apesar de toda a campanha contra patrocinada pela Globo e pelo capital nacional e internacional, que queriam o Menino do Rio no posto, atendendo todos os seus interesses. E foi sabotada em tenebrosas transações no escurinho do Jaburu, sob a batuta de Temer e Eduardo Cunha, até ser impichada.

Depois de 02 anos do desgoverno da quadrilha Temer, o salvador da Pátria fez o que após 250 dias ocupando o Palácio do Planalto? Puxou o saco do Trump, que ‘apoia’ a indicação do 03 para embaixaburguer em Washington (‘meu garoto que sempre quis morar nos States’), aprovou leis que aumentam a violência no país, reduziu a fiscalização do Estado em todas as atividades em que o Estado é essencial, apoiou ruralistas, madeireiras e mineradoras em suas sanhas de desenvolvimento insustentável floresta adentro, e criou caso com todo o mundo civilizado, insultando mulheres e elogiando ditaduras sangrentas que marcaram a história de países nas décadas de 70 e 80.

Enquanto o povo continua de cabeça baixa, aguardando providências de Deus, os politicamente alfabetizados da minha geração, incluindo eu, engolem sua raiva, sua profunda desilusão e pensam que já fizeram o que podiam. E marcham, como todo o país, para o brejo…, um brejo coalhado de vermes!

 

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