O primeiro programa começava assim: “No princípio era o nada, o silêncio, o vácuo. No princípio era a paz. Da imensidão deste vazio, arrastando-se, evoluindo sempre, surgiu o homem. O homem e suas condições. O homem e suas guerras. O homem e sua inconsciência. A história da humanidade se resume a isto: um monótono desenrolar de guerras entremeadas de preparações. Assim, e só assim, caminha a humnidade. Belo Horizonte, vigésimo quinto dia de outubro”. A música A Banda, que estava ao fundo, subia o tom, Wandeir, o locutor, se sobrepunha à música e dizia: “Um pouco da vida suave de um mundo quase feliz”, a música parava e ele encerrava: “Produção, redação e apresentação de Leonardo Brito, Wandeir Malagutti e Marília Mota. Som de Milton Martins.”
Neste primeiro programa, a gente discutiu e mostrou Chico Buarque e Beatles, no segundo, Sidney Miller e The Who. E a música moderna e de qualidade é que chateou o apresentador! A audiência de seu programa, de domingo a sexta, era baseada no brega! E nas mensagens melosas que Fulana de Tal enviava pra Sicrano, com muito amor e carinho… e na divulgação de fatos onde prevalecia a emoção tétrica, tipo: o pedreiro Beltrano descobriu que a mulher o traía e matou o amante com três tijoladas na cabeça…
Nós queríamos outro público, claro! Mas ele achou que estávamos tentando derrubá-lo… E moveu seus pauzinhos! Arvorou-se em dono do pedaço e como tinha amigos na polícia (fôra repórter policial durante anos) e era concunhado de um major do Exército, que era sobrinho de um general, deu uma de poderoso com a direção da rádio: “se este programa continuar, eu saio e os militares não vão gostar!” Nós estávamos começando… ele tinha uma audiência financeiramente significativa… nós sobramos e o brega permaneceu! Cultura, ontem e hoje, continua sendo algo não muito apreciado por quem tem dinheiro e manda, inclusive a Igreja!
Isto aconteceu nos anos 70… Algum tempo depois, eu já estava fazendo estágio na Rede Globo, que tinha comprado a TV Belo Horizonte, quando o tal apresentador foi demitido da rádio, apesar de seu programa continuar tendo boa audiência. Foi este meu velho amigo repórter quem descobriu porque: ele costumava distribuir presentes, ofertados pelos patrocinadores, para suas ouvintes. E, geralmente, escolhia garotas entre 14 e 16 anos para ganhá-los… desde que fossem até a emissora para buscá-los. E uma destas garotas acusou-o de tentar estruprá-la. A polícia investigou, descobriu outros casos e, sem alarde, ele foi demitido da rádio católica (sem punições criminais… o machismo prevalecia!)
”Salvo engano – lembrou meu amigo – foi Kissinger quem disse que o poder é o afrodisíaco mais forte! Eu acho que é muito mais que isto, bicho: é emocionante para quem sabe exercê-lo e destrutivo para quem não sabe! Olha só o que está acontecendo com o herói Sérgio Moro e seus cupinchas da Lava Jato… “
Será que isto explica o que está acontecendo com o Brasil hoje? Moro, seus procuradores, seus policiais, as novas classes que ocupam a burocracia estatal, no Executivo, no Legislativo e no Judiciário hoje, são filhos da minha geração – minha filha mais velha tem 45 anos! Sua infância foi vivida em plena ditadura, mas a maioria não sofreu suas consequências, seja porque a possível luta dos pais não era levada para casa, seja porque os pais não queriam saber de política e se preocupavam, apenas, em sobreviver e proteger a própria família.
Os que nasceram nas décadas de 70/80 iniciaram carreira ou atingiram a maturidade profissional entre 2000/2010, exatamente quando suas entidades – Procuradorias, Polícia Federal, Receita Federal e do Funcionalismo Público em geral – foram empoderadas pelos governos petistas, mercê da formação sindicalista de Lula, que valoriza o conceito de união dos trabalhadores em benefício de sua classe ou de seu grupo profissional (um exemplo claro disto: a famosa lista tríplice para escolha do Procurador Geral da República começou a valer em 2003!). (continua)