As novas classes (I)

Eu fiz concurso público uma única vez: com 15 anos, tomei bomba em Matemática no Colégio Estadual (já mencionei este fato aqui no blog) e com isso meu pai não contemporizava e determinava: não estuda? Vai trabalhar!  Ainda demorou um pouco, mas meu irmão, 04 anos mais velho, que começara aos 14, servindo cafezinho,  já era funcionário da Tesouraria de uma autarquia que cuidava dos prédios escolares de Minas,  quando abriram um concurso para contratar auxiliar de atividades administrativas e me avisou.

Eu passei em 10° lugar (em contraposição às outras, minha prova de datilografia foi um horror!). Como as vagas a serem preenchidas eram, exatamente, 10, achei que seria chamado logo. Foram chamados 08 aprovados. Naquela época, 1965, não existiam concursos públicos como hoje, criados a partir da Constituição de 1988. Cada órgão público fazia seus próprios concursos para preenchimento de vagas, mas este preenchimento, muitas vezes, para ser concluído, dependia  de apadrinhamento político.

Em assim sendo, de repente, após o 8º, foi chamado alguém que passara em 18°… Meu irmão, que conhecia todo mundo na autarquia, estranhou e confrontou o presidente. Para evitar problemas e escândalos, eu fui chamado e tornado servidor público também concursado! (ou seja, a pu….a no Brasil é velha… muito velha e a culpa recai sempre no funcionalismo público!)

Isto aconteceu em 1965, após a “rebordosa de 64’, que fora implantada para salvar o Brasil do comunismo e da corrupção desenfreada… 55 anos depois, o Brasil mudou? Houve uma anistia dolorida, houve uma redemocratização mambembe, houve uma constituição pouco respeitada que comprovou que a plutocracia continua sendo o poder no Brasil. E um poder corrupto e corruptor… Que admite, inclusive, que um procurador da República, o defensor do Estado, exclame alegremente numa rede social, se referindo a um juiz da Suprema Corte, guardião da Constituição: “ Uhuhuh… o Fachin é nosso!” E continue livre, leve e solto!

Conversando com um velho colega de turma de Jornalismo, que começou comigo em Belo Horizonte, na época mais dura da ditadura – governo Médici – e que permaneceu repórter até se aposentar há uns três anos – ele sempre detestou redações, sentia-se preso, ao contrário de mim – fui alertado para uma verdade simples: “mais do que o dinheiro, o poder transforma as pessoas, na maioria das vezes negativamente, e  a democracia empodera muitas pessoas que não estão preparadas para deter um poder, por mais limitado que ele seja. Lembra daquela frase do Pedro Aleixo, sobre o guarda da esquina quando os milicos decretaram o AI-5?”           

Recordou-se ele de uma experiência desagradável que eu tive com um apresentador de um programa noturno da rádio Jornal de Minas, da Cúria, em que estagiávamos, ele como repórter de polícia, eu como uma espécie de redator do jornal das 22 horas e redator/editor do jornal das 07 da manhã – eu ficava na rádio até as 02 da madrugada, recolhendo as notícias nacionais (pouquíssimas) e as internacionais que eram transmitidas pelas agências via telex; havia uma guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética e os desaforos entre Nixon e Brezhnev eram bem quentes.

Depois de um tempo, bem escolado no veículo rádio e incentivado pelo editor chefe, Lélio Fabiano, eu, Marília, minha namorada à época, e Wandeir, um velho amigo, locutor da Rádio Mineira e artista, criamos um programa para as noites de sábado, único dia em que o programa do tal apresentador não ia ao ar (ele dizia que era o dia de seu público – domésticas e comerciárias – namorar, ou seja, não havia audiência).

Era um programa de variedades, modéstia às favas uma espécie de Fantástico radiofônico: entrava tudo, desde que tivesse bom gosto e fosse verdadeiro: crônica, poesia, informação, música de qualidade… (Wandeir era um profundo conhecedor de música e estava atento aos lançamentos nacionais e internacionais). E a gente misturava Tom Jobim e Vinícius, Beatles e Bob Dylan e Joan Baez, enquanto comentávamos os fatos da semana. (continua)

 

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