Estranho país este nosso Brasil, em que mídia, ministros da Suprema Corte, partidos políticos e até juízes de 1ª instância fazem questão de arrotar princípios éticos, republicanos e de respeito absoluto aos direitos do cidadão, mas, claramente, têm dois pesos e duas medidas, o que não conseguem esconder nem do mundo mineral, como diria Mino Carta.
Em março, havia 24 contestações na Justiça contra a nomeação de Lula para a Casa Civil da presidenta Dilma, três delas solicitadas por PSDB, PSB e PPS, a maioria alegando que esta nomeação teria o objetivo de retirar da competência jurisdicional do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, as investigações contra o ex-presidente. Algumas ações foram para as mãos do ministro Gilmar Mendes e outras foram entregues ao ministro Teori Zavascki.
Afirmando ter visto intenção de Lula em fraudar as investigações sobre ele na Operação Lava Jato, o ínclito ministro Gilmar, que não faz questão nenhuma de pré-julgar qualquer coisa contra o PT, suspendeu a nomeação de Lula e determinou, sem que a ação pedisse isto, que a investigação do ex-presidente fosse mantida com a Lava Jato, na primeira instância judicial.
Já o ministro Teori negou prosseguimento às ações movidas pelos partidos políticos e, em outra decisão, manteve, liminarmente, as investigações sobre Lula nas mãos do STF, uma decisão que teria que ser submetida ao plenário do Tribunal para ser confirmada, mas que, até o afastamento da presidenta Dilma e conseqüente demissão de todo o seu ministério, ainda não havia ocorrido. Se algum dia o for, será apenas para legitimar a devolução das investigações para a primeira instância judicial, vez que Lula, mesmo sendo ex-presidente, é um cidadão comum, sem privilégio de foro.
No entanto, de ontem para hoje, o presidente interino Michel Temer deu posse a 23 ministros, a maioria parlamentares que, mesmo tendo pendências com a Justiça, já dispõem de foro privilegiado, não sendo necessário serem nomeados ministros para ficarem livres de investigações e julgamento na 1ª instância.
Três deles, porém, não tinham qualquer mandato: Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo, Henrique Eduardo Alves, ministro do Turismo, e Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, os dois primeiros envolvidos na Lava Jato, através da famosa lista da Odebrecht que, tão logo apareceu, foi escondida e enviada para o STF, e o terceiro já sendo investigado no Supremo (já que era ministro da Dilma), acusado de fraude em processo de inspeção veicular quando era prefeito de São Paulo.
Aí, a gente lê os jornais ou assiste os noticiários televisivos e radiofônicos e não há qualquer insinuação de que os novos ministros aceitaram os respectivos cargos com alguma intenção dúbia, de fraudar as investigações sobre eles na Operação Lava Jato ou, no caso de Kassab, de ter seu processo encaminhado às instâncias inferiores, vez que ele acabara de perder o foro privilegiado por demitir-se do ministério das Cidades de Dilma para embarcar no golpe.
A gente pesquisa no Google e destrincha as redes sociais em busca dos indignados de ontem com a atitude desrespeitosa da presidenta da República por nomear um investigado da Lava Jato para seu ministério, para verificar quão indignados estão com a mesma atitude do presidente interino Temer, mas não encontra nada e, por incrível que possa parecer, não há nem mesmo uma frase, um levantar de sobrancelhas ou um balançar dos polpudos lábios do prolixo ministro Gilmar Mendes sobre o assunto, logo ele, sempre pronto frente a microfones e câmaras para desancar o “desatino daqueles que patrocinaram o desconserto atual” do país.
Estranha gente estes nossos políticos, jornalistas, profissionais liberais, juízes, procuradores e policiais federais… Estranhos movimentos estes nossos grupos de indignados que dominaram as redes sociais e foram às ruas para gritar contra a corrupção, para pedir a volta dos militares, para exigir o impeachment…! Estranha classe esta nossa média brasileira, capaz de vestir-se de verde e amarelo e carregar empregada e cachorro para protestar num domingo na avenida…! Um novo presidente, apesar de interino, acaba de assumir o governo nomeando 23 novos ministros, dos quais 12, metade mais um, têm problemas com a Justiça… e não se vê, com as honrosas exceções de praxe, qualquer indignação nas redes sociais, qualquer chamamento a marchas de protesto, qualquer contestação judicial, qualquer panelaço pelas janelas dos prédios de bairros nobres ou buzinaço pelas ruas engarrafadas das grandes cidades!
Estranho país este nosso Brasil… que de tempos em tempos regride política, econômica e socialmente, mas tem um povo que nunca desiste de ter esperança! E de cantar: “Sem lenço, sem documento/Nada no bolso ou nas mãos/Eu quero seguir vivendo, amor/Eu vou/Por que não, por que não, porque não?”