(continuação)
O segundo governo Lula mudou este paradigma, levando cidadania – e não apenas assistência e esperança – para as classes baixas e os miseráveis, através de programas simples, porém eficazes (valorização do salário mínimo, expansão do crédito, Bolsa Família, PROUNI, FIES, ENEM/SISU e outros) que, evidentemente, podem e devem ser aperfeiçoados para reduzir as distorções e aperfeiçoar os controles, mas que, sem dúvida alguma, representaram um salto de qualidade na vida da população menos favorecida. É esta, aliás, creio eu, a principal razão porque muita gente da classe média odeia tanto ele quanto o PT – esta ascensão das classes baixas encheu as ruas de carros com motoristas sôfregos e desbocados, os aeroportos de gente deslumbrada que “fala muito alto”, bares e restaurantes de glutões sem qualquer linha, os shoppings de jovens morenos de cabelo pixaim agitando e fazendo rolezinhos e (o supra-sumo da desgraça!) as redes sociais de um palavreado chulo e desprovido de qualquer senso de ridículo…
Apesar de muito tentarem, os conservadores não conseguiram derrubar Lula, tanto que ele saiu de seu 2° gove rno com mais de 80% de aprovação e elegeu sua candidata, Dilma, para sucedê-lo. Mas, estão conseguindo agora, com o impeachment dela.
Resumidamente contextualizado todo o processo, me permito discordar do primeiro jovem (os governos petistas fizeram o mínimo esperado). Não meu jovem… eles fizeram bem menos que o esperado, mas muito mais que todos os governos anteriores já tinham feito! Como eu disse ali em cima, eles mudaram o paradigma, governando para toda a população e não apenas para os 20% mais favorecidos. Com isso, eles despertaram a consciência de boa parte da massa, fazendo-a acreditar que ela pode e deve querer e exigir mais e mais de dirigentes, políticos, empresas, associações, sindicatos… e que é um direito seu brigar por isto em todos os espaços – nas redes sociais, nas Assembléias, nas ruas… onde for preciso! E que é o que vocês, jovens, estão fazendo hoje… e que, espero, continuem fazendo cada vez mais!
Este aplauso que faço à mudança de paradigma feita pelos governos petistas não justifica, claro, suas posições dúbias em relação aos direitos das minorias, conforme acusa a segunda jovem (pouca atenção dos governos petistas para os direitos das minorias, especialmente LGBT’s). Porém, tenho certeza que, como militante destas causas, ela não desconhece as batalhas travadas pelo governo Lula para elaborar o PNDH 3, apresentado apenas em dezembro de 2009, e para sancioná-lo, já no governo Dilma, em maio de 2010. A respeito, lembro o que disse Venício Lima (jornalista, professor-titular de Ciência Política e Comunicação aposentado da UnB), em Carta Capital:
“O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.”
Em razão disso, eu me permito entender os avanços tímidos dos governos petistas em relação aos direitos das minorias. E explico: em post anterior aqui do blogue (Difícil de entender, de 28/04/2016), eu disse que “o tipo de democracia que os políticos tradicionais – apoiadores e opositores da ditadura militar – conseguiram implementar no Brasil, após a abertura lenta, gradual e segura permitida pelos militares, redundou no chamado presidencialismo de coalizão.” Esta coalizão nunca foi feita programaticamente, mas pragmaticamente… para ganhar a eleição! Ou seja, do mesmo jeito que o PSDB, um partido com um programa democrata-social (que nunca foi implementado) governou em coalizão com o PFL, atual DEM, um partido com um programa neo-liberal, o PT, com um programa de centro-esquerda, governou sempre em coalizão com partidos de centro-direita. Numa democracia, por mais que a gente não goste disso, um presidente não dita as regras, ele tem que obter a aprovação delas no Congresso… O impeachment de Dilma está aí para provar isto: bastou o PMDB vislumbrar a possibilidade de assumir o poder diretamente, para ele ser aprovado, por larga maioria, na Câmara e na Comissão do Senado, mesmo ela não tendo cometido crime de responsabilidade fiscal, que justificaria o impeachment.
Enfim, eu não discordo da “revolta” da jovem com o petismo, mas, bem mais vivido, me dou o direito de dar um desconto: não se muda um país, uma sociedade, uma cultura construída por 500 anos em apenas 14 anos! O máximo que se consegue é plantar idéias, desejos, possibilidades… o que os governos petistas conseguiram, para irrestrito ódio dos conservadores, de uma extensa gama de evangélicos e católicos tradicionais, do secular poder econômico do país e, particularmente, de uma classe média insegura, que ‘se borra’ de medo de compartilhar seus irrisórios privilégios – cursar faculdades, freqüentar restaurantes, shoppings e cinemas, gozar férias em praias badaladas, viajar de avião, fazer compras em Miami – com “gentinha” como a filha da empregada doméstica (alguém aí assistiu Que horas ela volta?), o porteiro do prédio, o mecânico do carro, os jovens das periferias…
De qualquer modo, mesmo sem “revolta”, sou obrigado a concordar com Maurício Santoro, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional no Brasil, de que “o Brasil é um país com ótimas leis, mas que não são cumpridas.”, um paradigma que os governos petistas não conseguiram mudar nestes 14 anos de poder.
Por último, algumas palavras sobre o ódio ao petismo demonstrado por muitos participantes das redes sociais, inclusive na da família: eu sou de um tempo em que a gente tinha raiva de presidentes-ditadores (os imensos cartazes com os intensos olhos azuis do general Garrastazu Médici espalhados por todos os cantos durante a Copa de 1970 eram motivo de cusparadas catarrentas, as derrotas do Cruzeiro para o Atlético eram motivo para não conversar uma semana com os amigos atleticanos), mas ódio, ódio mesmo, a gente só tinha de algumas figuras que a gente sabia serem torturadores e assassinos frios, como um tal Major Tibiriçá (identificado, depois, pelo Brasil Nunca Mais, como o coronel Brilhante Ustra, homenageado pelo deputado Bolsonaro no impeachment da Dilma) ou o delegado Fleury. (continua)