(continuação)
Fernando Collor era um jovem governador de Alagoas, filho e herdeiro de uma tradicional e ultra-conservadora família política do Estado. Em meio à degringolada geral e mercê de uma associação feita pela grande imprensa, de que esta degringolada era culpa do Estado, que era muito inchado e gastador, ele se lançou candidato à presidência, em meio à figuras tradicionais da política (Ulysses, Covas, Aureliano Chaves, Roberto Freire, Ronaldo Caiado, Leonel Brizola) e um sindicalista (Lula), com um único slogan: caçar os marajás do Estado! Na medida em que Lula e Brizola despontavam como prováveis vencedores do 1º turno, as Organizações Globo lançaram todas as suas armas em seu apoio, levando-o ao 2º turno, em disputa direta com Lula, que conseguira chegar um pouco à frente de Brizola. E com o peso da Globo por trás, inclusive editando o último debate de modo totalmente favorável a ele, Collor venceu.
E foi rápido no gatilho: o Plano Collor reintroduziu o cruzeiro como moeda nacional, reduziu a máquina administrativa, extinguindo ou fundindo ministérios e órgãos públicos, demitindo milhares de funcionários públicos e servidores de estatais (a Cibrazem, onde eu trabalhava, foi fundida com a Cobal e a CFP, e uns 4.000 empregados foram demitidos) e congelou preços e salários. Ou seja, o mais do mesmo tradicional, acrescido de uma medida inovadora, que eu vou colocar aqui literalmente como está escrito na Wikipédia: “o confisco dos depósitos bancários superiores a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros) por um prazo de dezoito meses visando reduzir a quantidade de moeda em circulação, além de alterações no cálculo da correção monetária e no funcionamento das aplicações financeiras. Mesmo sendo o confisco bancário um flagrante desrespeito ao direito constitucional de propriedade, o plano econômico… foi aprovado pelo Congresso Nacional em questão de poucos dias.”
A euforia do jovem presidente – estampada diariamente em mensagens nas camisetas que vestia quando dava sua corrida matinal, acompanhado por um batalhão de fotógrafos – durou pouco: em meio à rápida deterioração da economia e o aumento das denúncias de corrupção (sempre ela!) levou-o à renúncia pouco depois do impeachment ser admitido pela Câmara Federal, assumindo o vice, o temperamental Itamar Franco.
Os mais atentos certamente já perceberam que até agora, neste blá blá blá histórico dos últimos 50 anos da política brasileira, eu não toquei no assunto mais dolorido, a pouca atenção dada por governos petistas para o direito das minorias, especialmente LGBT’s, conforme uma das jovens do grupo enfatizou. Então, eu lembro que direitos humanos só se tornaram um assunto em discussão séria no mundo em 1993, quando uma convenção das Nações Unidas orientou os países membros a constituírem, institucionalmente, programas nacionais de direitos humanos, sendo que o primeiro PNDH brasileiro só surgiu em 1998. Ou seja, até o governo Itamar Franco (1992/94), os direitos humanos no Brasil – nos quais se inserem os direitos de minorias – não vinham muito ao caso, sendo tratados formalmente apenas nos textos constitucionais.
Nossa última Constituição, chamada Cidadã, instituída em 1988, após a queda da ditadura, estabelece, no Título II, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Capítulo I, Artigo 5°, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…” e seguem-se 78 itens, que vão da igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações, até a gratuidade das certidões de nascimento e óbito, passando por coisas tão abrangentes quanto o direito à liberdade de pensamento, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, o direito à propriedade, sendo que uma propriedade tem que cumprir sua função social etc etc etc… Nas Constituições anteriores também havia capítulos para direitos e deveres dos brasileiros, mas o tão famoso e decantado “jeitinho brasileiro” sempre deu um jeitinho de passar por cima dos direitos e não cumprir os deveres. Ou, como bem disse Leonardo Sakamoto em seu blogue, em nosso país “a Constituição Federal, não raro, é usada como embrulho de peixe, tamanho o respeito dedicado a ela. Isso quando não se converte em papel higiênico.” (continua)